A teoria do bóson de Higgs ganhou o Nobel de Física, mas o experimento que teria detectado o bóson de Higgs ainda é controverso entre os físicos.
[Imagem: CERN]
Suspeitas sobre o bóson de Higgs
Quando os resultados coletados de um experimento parecem precisar ser ajustados com precisão para se encaixar em uma determinada teoria, alguns físicos aceitam isso como como uma coincidência. Outros preferem continuar cavando.Quando os físicos viram o bóson de Higgs pela primeira vez, em 2012, observaram que sua massa era muito pequena: 125 bilhões de elétron-volts, ou 125 GeV. A medição tornou-se um excelente exemplo de uma questão que persegue os físicos e astrofísicos hoje: O problema do ajuste fino versus a naturalidade.
Para entender o que é suspeito sobre a massa observada da partícula de Higgs ser tão baixa, primeiro você deve saber que ela é, na verdade, a soma de duas entradas: a massa de Higgs pura e simples (que não conhecemos) mais as contribuições de todas as outras partículas do Modelo Padrão, contribuições coletivamente conhecidas como "correções quânticas".
O segundo número na equação é um negativo enorme, chegando a algo em torno de 1018 GeV negativos. Comparado a isso, o resultado da equação, 125 GeV, é extremamente pequeno, próximo de zero. Isso significa que o primeiro número, a massa nua de Higgs, deve ser quase seu oposto a fim de quase cancelar o segundo número da equação.
Para alguns físicos, esta é uma coincidência inaceitavelmente estranha.
Ou pode ser que não seja a massa de Higgs nua que esteja fazendo o trabalho pesado aqui: Pode ser que haja contribuições adicionais para as correções quânticas que os físicos não conhecem.
De qualquer maneira, muitos físicos de partículas não se sentem confortáveis com essa situação. Não há uma razão subjacente conhecida para esses cancelamentos quase exatos, e insistir que "é assim" é insatisfatório.
O famoso modelo cosmológico padrão, incluindo o Big Bang, é outra área que sofre com a necessidade do ajuste fino.
[Imagem: Peiris et al.]
Ajuste fino versus naturalidade
Parâmetros observáveis que não parecem emergir naturalmente de uma teoria, mas devem ser deliberadamente manipulados para se ajustarem, são chamados de "afinados", ou "ajustados por sintonia fina".Em uma teoria, "quando você chega em números muito diferentes em tamanho, pode-se adotar o ponto de vista de que isso é apenas uma representação de como a natureza funciona e que não há significado especial no tamanho dos números," pondera Verena Martinez Outschoorn, da Universidade de Massachusetts em Amherst, nos EUA. "Como alternativa, pode-se propor maneiras de remediar o ajuste fino, o que geralmente requer a adição de novas partículas manualmente".
O oposto do ajuste fino é a naturalidade. "É uma espécie de dois lados da mesma moeda," explica Stefania Gori, da Universidade da Califórnia em Santa Cruz. "Dizemos que uma teoria é natural quando você pode escrevê-la com parâmetros basicamente todos da mesma ordem".
Então, quanto ajuste fino devemos permitir em nossas teorias?
"Este é um dos debates fundamentais que podem decidir o futuro da física de partículas," diz Lawrence Lee Jr., da Universidade de Harvard e do experimento ATLAS do LHC.
Incompletude das teorias
Talvez os primeiros escritos sobre o ajuste fino versus a naturalidade tenham aparecido em 1937, com a "hipótese dos grandes números", de Paul Dirac, uma tentativa de compreender as enormes constantes do Universo comparando suas proporções.A descoberta do quark charme foi motivada pela busca da naturalidade: Os cientistas teorizaram a existência dessa partícula para explicar a ausência [experimental] de uma interação esperada [pela teoria] entre as partículas.
"De um ponto de vista experimental, o problema do ajuste fino é realmente útil no sentido de orientar o que devemos investigar," pondera Joseph Haley, da Universidade Estadual de Oklahoma.
Algumas vezes, explica ele, um parâmetro pode parecer ajustado (como a massa de Higgs) até que os experimentos revelem um problema oculto e subjacente - alguma parte adicional da equação que não conhecíamos antes: "Quando temos uma teoria mais completa, é como 'Ah, tinha que ser esse valor o tempo todo, só não estava claro o porquê'."
Já o professor Lee, também um experimentalista, diz que sua pesquisa é fortemente motivada pelo problema do ajuste fino. "Em geral, o que queremos de nossas teorias - e, de alguma maneira, do nosso Universo - é que nada pareça artificial demais," diz ele.
O público aceita bem a ideia de que "a ciência prova isto ou aquilo", mas a verdade é que a ciência tem seu próprio repertório de dúvidas.
[Imagem: NASA/Chris Smith]
Coincidências do Universo
No entanto, nem todos os físicos veem situações descritas como objeto de um ajuste fino como um problema. Para eles, não precisa haver uma razão para que, digamos, dois parâmetros tenham valores quase iguais, opostos, que resultem em um cancelamento. Afinal, coincidências acontecem, defendem eles.Por exemplo, o Sol e a Lua têm aproximadamente o mesmo tamanho no céu quando vistos da Terra. Isso significa que, quando estamos perfeitamente alinhados, a Lua bloqueia completamente o Sol, resultando em um eclipse solar total. Aceitamos que não há razão científica para isso, e os cientistas chegaram até mesmo a calcular até que ponto os tamanhos correspondentes do Sol e da Lua são objetos de ajuste fino: 2%, ou 1 em 50.
Mas Lee observa que essa feliz coincidência ainda é muito diferente do enigma com a massa de Higgs, o que exigiria um ajuste fino da ordem de 1 em 1034.
Outros físicos dizem que seria ótimo se livrar do aparente ajuste fino, mas fazer isso não é necessariamente o principal fator que impulsiona sua pesquisa. "Embora a naturalidade seja algo que motiva muito do trabalho que fazemos experimentalmente, certamente não é a única coisa," disse Outschoorn, que estuda uma teoria chamada supersimetria, que pode resolver simultaneamente o problema do ajuste fino com o bóson de Higgs e ainda fornecer um candidato a partícula da matéria escura.
Por mais incomodados que estejam pelo aparente ajuste fino, em um mundo ideal, os físicos encontrarão a "Teoria de Tudo" definitiva, que poderá explicar as causas subjacentes a todos os parâmetros observados no Universo. Se os físicos chegarem a esse ponto, diz Haley, "você saberia realmente que resolveu a física".
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