Vale do Silício busca reinventar indústria, e não só produtos

Lee Redden e Jorge Heraud fundaram a Blue River Technology, que 
desenvolve um robô herbicida para fazendas orgânicas, o que evita 
pesticidas químicos. Foto: Ramin Rahimian/The New York Times
Lee Redden e Jorge Heraud fundaram a Blue River Technology, que desenvolve um robô herbicida para fazendas orgânicas, o que evita pesticidas químicos

Foto: Ramin Rahimian/The New York Times

Lee Redden, 26 anos, doutorando em engenharia em Stanford, decidiu dar um tempo nos estudos e ajudou a fundar uma empresa. Suas habilidades se concentram em dois nichos efervescentes da inteligência artificial: visão computadorizada e aprendizagem automática. Só que ele não está aplicando seus talentos à busca na internet, comércio online ou vigilância inteligente.

As ambições de Redden estão mais distantes - em fazendas, na verdade. Sua empresa, Blue River Technology, está desenvolvendo um matador robótico de ervas daninhas para agricultura orgânica, para evitar pesticidas químicos. Segundo ele, o novo empreendimento é "uma forma excelente de levar essa tecnologia para a agricultura".

A empresa está ligada ao mais recente estágio de evolução do Vale do Silício, o epicentro mundial da inovação. Ao longo dos anos, a região demonstrou uma destreza econômica sem paralelos ao saltar de um segmento com oportunidades para outro, de eletrônicos militares a bolachas de silício (um semicondutor), de computadores pessoais à internet.

Porém, o negócio do Vale hoje em dia tem menos a ver em se concentrar numa indústria em particular e mais com um processo contínuo de inovação tecnológica, sobre uma ampla gama de campos. A tendência reflete a marcha constante da mais versátil das tecnologias - a computação - à medida que ela abre novas linhas de frente em todas as disciplinas científicas e indústrias. Tecnologia limpa, bioengenharia, diagnóstico médico, tratamento preventivo de saúde, transporte e até agricultura fazem parte do mix hoje em dia para os tecnólogos e empreendedores do Vale.

O ritmo das descobertas se acelerou, não apenas para as tecnologias como também para o processo de descobrir que empresas terão sucesso. "A diferença no Vale é encontrar um método quase científico de reinventar empresas e indústrias, não apenas produtos", disse Randy Komisar, sócio de uma das principais empresas de capital de risco, Kleiner Perkins Caufield & Byers, e professor assistente de empreendedorismo na Universidade de Stanford. "A abordagem é muito mais sistemática do que há muitos anos atrás."

O novo modelo para abrir empresas se baseia em hipóteses, experimentos e testes de mercado, desde o dia em que a empresa é fundada. Trata-se de uma ruptura abrupta com a abordagem tradicional de traçar um plano de negócios, estabelecer metas financeiras, construir um produto final e depois lançar a companhia esperando que dê certo. Esse esquema consumia tempo e dinheiro.

A fórmula preferida hoje em dia costuma ser chamada de "lean startup" (literalmente, empresa iniciante enxuta). Entre seus primeiros defensores estão Eric Ries, empreendedor e escritor que cunhou o termo e agora é o empreendedor residente da Harvard Business School, e Steven Blank, "empreendedor em série", escritor e professor assistente em Stanford.

A abordagem enfatiza o rápido desenvolvimento do "mínimo de produtos viáveis", versões de baixo custo que são exibidas para avaliação dos consumidores e, a seguir, aprimoradas. Flexibilidade é outra característica. Testar modelos de negócios e ideias, e, sem dó nem piedade, descartar fracassos e passar para o Plano B, Plano C, Plano D e assim por diante - num processo conhecido como "pivô".

A National Science Foundation está apostando no novo modelo para melhorar o índice de comercialização da pesquisa universitária que financia. Em outubro, a fundação anunciou a primeira série de subsídios do que chama de NSF Innovation Corps. As 21 equipes de três membros selecionadas em todo país receberão US$ 50 mil por seis meses para testar se suas invenções são vendáveis. Começa com um giro por Stanford e cursos lecionados por Blank, entre outros, seguidos por aulas online e orientação. Espera-se que cada equipe teste constantemente ideias e produtos com consumidores, fazendo experiências repetidas vezes, aderindo à fórmula da "lean startup".

"A questão é aplicar o método científico à identificação de oportunidades de mercado", disse Errol B. Arkilic, gerente de programas da fundação. "E é justamente por isso que esse método foi selecionado pela NSF."

Arkilic, que durante sete anos foi engenheiro de startups no Vale antes de ir trabalhar com o governo, afirma que a fundação planeja conceder 15 ou 20 subsídios Innovation Corps por trimestre. "Não podemos reproduzir o Vale do Silício em outro lugar, mas temos de descobrir uma forma de pegar suas melhores práticas e aplicá-las em outras localidades."

O modelo de "lean startup" do Vale está influenciando a formação administrativa tradicional. Nas escolas de negócios, há anos existem cursos sobre empreendedorismo e gerenciamento empresarial. Porém, em meados do primeiro semestre, os 900 primeiranistas da Harvard Business School devem abrir um negócio como disciplina obrigatória. Em equipes de seis estudantes, eles receberão US$ 3 mil para fundar uma empresa que gere receitas até o fim do semestre, explicou Thomas R. Eisenmann, professor que coordenará o programa.

Eisenmann também é um dos diretores de um programa de imersão no Vale do Silício que leva dezenas de alunos para lá todos os anos para terem contato direto com as práticas e a cultura do viveiro do empreendedorismo. "Todos estão envolvidos com uma startup", observou Eisenmann. "Presume-se que seja o comportamento normal, a coisa bacana a ser feita."

A cultura de startups, sem dúvida, deve muito à história do Vale e à influência duradoura de suas personalidades marcantes, como Frederick E. Terman. Professor de engenharia em Stanford durante muitos anos, onde foi diretor nas décadas de 1950 e 60, Terman encorajava os melhores alunos a pôr as ideias em prática abrindo uma empresa. Entre eles estavam Bill Hewlett e David Packard, que fundaram a Hewlett-Packard em 1939. Terman costumava investir dinheiro do próprio bolso nessas firmas.

"Sua mensagem era de que abrir uma empresa era tão importante quanto fazer doutorado", disse Blank, que leciona em Stanford. "Aquilo era considerado uma heresia na academia." A maioria das startups fracassa. Talvez mais do que em outros lugares, os investidores e tecnólogos do Vale costumam ver o fracasso com certa objetividade científica, como se os reveses fossem ferramentas heurísticas que conduzem à pesquisa e descoberta. 
"Ao longo de 70 anos, o Vale desenvolveu uma cultura que não personifica o fracasso", afirmou Komisar, da Kleiner Perkins. "Se você não for corrupto, burro ou preguiçoso, nós vemos o fracasso como aprendizado - aprender com ele e reaplicar o que se aprendeu."

E essa cultura de assunção de riscos e aprendizado perpétuo está sendo agora aplicada bem longe de software e hardware de computador. Existem empreendimentos famosos como o Nest Labs, fundado por Tony Fadell, ex-executivo da Apple, que contratou mais de cem engenheiros da Apple, Google, Microsoft e outras companhias de alta tecnologia, e é apoiado por várias empresas de capital de risco. Seu produto, lançado em outubro, é uma reinvenção do termostato, combinando sensores, aprendizado automático e tecnologia da internet num equipamento inteligente que economiza energia.

O Vale também está cheio de startups menos famosas em campos novos, como a Blue River Technology. Redden conheceu seu colega fundador e CEO da empresa, Jorge Heraud, 41 anos, na aula de Blank. Heraud, engenheiro, decidiu voltar à Stanford para dar uma renovada na carreira, depois de trabalhar durante anos como gerente de uma empresa de equipamentos agrícolas.

Ele conheceu Redden e, em conjunto, vislumbraram a chance de aplicar a visão computadorizada e o aprendizado automático à agricultura. Eles exploraram outras ideias, mas depois de conversar com possíveis compradores, decidiram por matar ervas daninhas em fazendas orgânicas - segmento de rápido crescimento que não pode usar pesticida e sofre com os custos trabalhistas.

No escritório em Sunnyvale, eles estão montando a máquina e ensinando o programa de visão computadorizada a distinguir alface de ervas daninhas. Inicialmente, tentaram matá-las com raio laser, o que se revelou muito caro. Agora pretendem usar óleo (orgânico, é claro) superaquecido.

O dispositivo, puxado por um trator, deve identificar ervas daninhas e matá-las em 200 milissegundos, um desafio formidável, mas atingível, declarou Redden. Se aplicar visão computadorizada à agricultura é tão promissor, por que os grandes fabricantes de equipamentos agrícolas não estão bem adiantados? "Elas não se preocupam com isso", respondeu Heraud. "Elas não pensam em visão computadorizada. Essa é uma tecnologia do Vale do Silício."

Fonte e demais informações:  http://tecnologia.terra.com.br/noticias/0,,OI5521207-EI15608,00-Vale+do+Silicio+busca+reinventar+industria+e+nao+so+produtos.html

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