Trânsito: mais carros, menos ônibus

Marco Carvalho
repórter

A quantidade de passageiros que utilizaram os ônibus de linha cresceu 1,5% em 10 anos em Natal. A estatística preocupa pois contrasta com o crescimento populacional no período (13%) e também com a elevação no número de veículos na cidade (330%). As causas de uma menor utilização do transporte público de massa são atribuídas às deficiências na qualidade do serviço prestado, assim como melhores condições de renda da população.

Alex RégisEntre 2000 e 2010, a quantidade de veículos particulares subiu de 
66,8 mil para 292 mil automóveis, provocando o caos nas viasEntre 2000 e 2010, a quantidade de veículos particulares subiu de 66,8 mil para 292 mil automóveis, provocando o caos nas vias
Desde o ano de 2004, a quantidade de passageiros de ônibus vinha caindo, tendo uma recuperação em 2010. Há sete anos, a média mensal era de 10,7 milhões de pessoas transportadas; no ano passado foram 10,3 e em 2009, foram 9,9 milhões.  Em 2000, 10,1 milhões de passageiros utilizaram esse tipo de transporte.

As estatísticas foram repassadas à reportagem pela Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (Semob). Enquanto isso, a frota de veículos na capital do RN aumentou mais de 330% nos últimos 10 anos, passando de 66,8 mil para 292 mil.

Para o professor de engenharia civil da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Enilson Medeiros Santos, a migração do transporte coletivo para o individual trará problemas à cidade no futuro. “A consequência imediata é a dificuldade de fluidez de tráfego. Por enquanto Natal ainda tem espaço, mas já percebemos a quantidade de congestionamentos crescendo”, disse.

De acordo com o estudioso, que possui especialização na área de engenharia de transportes, o crescimento econômico da cidade ficou concentrado nos mesmos pontos da cidade ao longo dos anos. “O crescimento populacional se expandiu para as periferias, mas as pessoas continuam voltando para o centro de Natal para trabalhar. E para isso, continuam utilizando as avenidas Prudente de Morais, Salgado Filho, Capitão Mor Gouveia, Antônio Basílio”, argumentou.

Enilson acredita que não existiu planejamento através de políticas públicas por parte das autoridades para o crescimento da cidade. Para o secretário adjunto da Semob, Haroldo Maia, não há obra de engenharia que acompanhe tal crescimento. “Nenhuma obra vai comportar o crescimento que constatamos de veículos nos últimos tempos. Temos que priorizar a prestação de serviço do transporte público”. Segundo ele, os projetos existentes visam reestruturar as vias e criar mais faixas exclusivas para ônibus. “Não podemos estar disputando espaço com carros e motos. Estamos viabilizando projetos para beneficiar os usuários do transporte coletivo”.

O secretário confirma que a tendência de migração do transporte público para o individual traz prejuízos para  a cidade. “Teremos mais problemas de tráfego. Além de questões ambientes e de saúde que estão diretamente ligadas”, encerrou.

Os problemas dos transportes de massa se estendem a nível nacional. A utilização do transporte público sofreu uma queda de 30% em todo o Brasil. O preço da passagem aliadas a falta de políticas públicas para esta área foram apontados como causas para a diminuição constatada nos últimos 10 anos. A análise pertence ao estudo “A mobilidade urbana no Brasil”, divulgado na semana passada pelo Instituto de Polícia Econômica Aplicada (Ipea).

Além da ausência de planejamento para a mobilidade, o estudo também aborda os incentivos federais à utilização de transporte individual. Os subsídios do Governo Federal para aquisição de veículos como automóveis e motocicletas representam 90% do total destinado a área de transportes.

Falta de licitação é problema para a mobilidade de Natal

O Ministério Público Estadual, através das promotorias de Defesa do Patrimônio Público, já entrou com uma ação civil pública para tentar garantir a licitação do transporte público para Natal. O prazo dado pelo MPE/RN termina no próximo dia 15 de junho e prevê pena de R$ 500 mil à prefeita Micarla de Sousa caso não haja o cumprimento.

A licitação que irá reorganizar as linhas de ônibus da cidade há tempos se arrasta e no início do ano já havia sido prorrogada por seis meses. De acordo com o estudo “A mobilidade urbana no Brasil”, do Ipea, umas das principais causas dos problemas ligados ao tráfego é exatamente a ausência de tal licitação.

“Nem todos os municípios possuem um sistema de regulação da oferta de transporte público que estimule a qualidade, produtividade e integração do serviço. Muitos problemas do transporte público podem estar associados à ausência de um modelo regulatório adequado e também à falta de contratos e instrumentos jurídicos”, informa o documento na página 27.

Para o professor de engenharia civil da UFRN, Enilson Santos, o problema é discutido há quase 20 anos. “Me lembro na década de 90, quando já chamávamos atenção para esta necessidade. A licitação tornará o serviço mais atrativo e modernizará o funcionamento”, declarou.

No entanto, o especialista faz ressalvas. “O contrato não fará mágicas. A qualidade no serviço prestado não estará garantido simplesmente pelo fato de ter havido essa regulamentação. Não tenho essa ilusão”.

A visão do professor é compartilhada pelo diretor de comunicação da Seturn, Augusto Maranhão. “ O sistema padece de orientação jurídica. Mas se engana  quem pensa que a licitação irá melhorar o transporte público. Os alternativos já funcionam assim e isso não ocorreu”.

A Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (Semob) deve divulgar ainda este mês o plano de mobilidade detalhando os novos pólos de atração da população e a cobertura do transporte público.

Copa de 2014

Natal garantiu o repasse de R$ 300 milhões através do PAC para obras de mobilidade urbana. Mas a cidade precisa ainda de mais R$ 48 milhões para serem utilizados na contrapartida dos projetos. Pelo fato de o estádio Arena das Dunas estar localizado em uma área de grande movimentação da cidade, as obras podem começar a resolver os problemas de tráfego em Natal.

“O estádio está em uma área bastante solicitada. Houve uma coincidência de necessidades e as obras refletirão positivamente na mobilidade da capital após o evento”, argumentou o professor Enilson Santos.

Bate-papo
Augusto Maranhão, diretor do Seturn

Como o Seturn interpreta os números na quantidade de passageiros nos últimos 10 anos?

A frota aumentou nesse intervalo de tempo, mas isso ocorreu para suprir as deficiências da mobilidade da cidade. Hoje, se leva muito mais tempo para viajar pelo mesmo percurso e precisamos de mais veículos para a mesma quantidade de pessoas. A qualidade do serviço prestado não melhorou.

Por quê?

Falta prioridade, tanto do município quanto do Governo Federal. Nós vemos o incentivo dado à compra de carros e motocicletas. Falta faixas exclusivas e diversas outras condições prioritárias. A reformulação da avenida Bernardo Vieira, que viria a ajudar o nosso trabalho, foi executada a toque de caixa. Os ônibus param de 50 em 50 metros  e a obra não cumpre seu objetivo.

Como o sindicato analisa a licitação do transporte público, marcada para ser divulgada ainda no mês de junho?

É uma realidade necessária, deixará as concessões já existentes mais claras. O sistema padece de orientação jurídica. Mas se engana  quem pensa que a licitação irá melhorar o transporte público. Os alternativos já funcionam assim e isso não ocorreu.

Quais serão as mudanças que irão ocorrer a partir da licitação?

Isso depende da divulgação do plano de mobilidade por parte da Semob, que trará a nova demanda. As licitações devem ocorrer por lote dependendo das  novas áreas, que demandam transporte. A partir daí, as empresas terão mais segurança para investimentos e a prefeitura, melhores formas de cobrança.

Fonte e demais informações: http://tribunadonorte.com.br/noticia/transito-mais-carros-menos-onibus/183491

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