Resíduos sólidos: a regulamentação da nova lei e as expectativas do mercado

Wladimir Antonio Ribeiro

Foi publicado na mídia que a Estre Ambiental e a Haztec Soluções Integradas anunciaram a sua fusão, com a criação da maior empresa de engenharia ambiental do país, em valor de faturamento.

A nova empresa deverá faturar cerca de 1,1 bilhão. Isso é demonstração evidente que o Brasil vem passando por mudanças profundas no setor de resíduos sólidos, decorrentes de vários fatores.

Um deles é a mudança do processo de produção e consumo, com exigências ambientais mais severas e melhor fiscalizadas. E, neste ponto, não há como deixar de mencionar a melhor estruturação dos órgãos ambientais e, em especial, a decisiva atuação do Ministério Público. Falar apenas em desenvolvimento econômico não basta, pois a expressão atual é desenvolvimento sustentável, ou, melhor, socioambientalmente sustentável.

Outro fator importante são as mudanças jurídicas, e não apenas as de caráter repressivo – como a Lei de Repressão aos Ilícitos Ambientais, de 1998 -, mas, também, as de caráter institucional. Merecem destaque a Lei de Consórcios Públicos, de 2005, que permitiu a união de Municípios na viabilização de planejamento e soluções integradas em matéria de resíduos sólidos, e a Lei Nacional de Saneamento Básico (LNSB), de 2007, que, dentre outras matérias, disciplinou os serviços públicos vinculados aos resíduos sólidos. Contudo, faltava legislação que cuidasse dos resíduos sólidos de forma específica, especialmente fixando regras para os resíduos de responsabilidade privada.

E essa lacuna foi preenchida com a edição, no último dia 2 de agosto, da Lei 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Dentre as novidades desta nova lei destacam-se: a logística reversa, instrumento por meio do qual os comerciantes e o produtor ou importador de produtos são responsáveis pela recolha das embalagens e de resíduos pós-consumo e de sua destinação final adequada; os planos de gerenciamento de resíduos sólidos, em que as empresas, a depender de seu tamanho e do tipo de resíduo que produzem, devem planejar o manejo de tais resíduos, inclusive sua destinação final adequada; os planos municipais de resíduos sólidos, por meio do qual o Município deve planejar todos os resíduos gerados em seu território, fixando metas para que possuam manejo adequado, seja através do serviço público de sua responsabilidade, seja através de atividade privada.

Mas nem tudo são flores. Alguns interesses tomaram “carona” no texto da lei. Na última hora foram inseridos dois parágrafos no artigo 17, que não foram vetados, prevendo que o Estado é quem deverá elaborar os planos de resíduos sólidos das regiões metropolitanas e microrregiões. Isso praticamente transfere a titularidade, nessas áreas, dos serviços públicos de manejo de resíduos aos Estados. Ou seja, quem poderá licitar aterros sanitários nas regiões metropolitanas de S. Paulo, Rio de Janeiro, Salvador ou Campinas será o Estado, não mais os Municípios dessas regiões.

Tais dispositivos devem ter sua constitucionalidade questionada diante do princípio da autonomia municipal. Mas estão por ora em vigor, aumentando riscos e prejudicando investimentos justamente nas áreas do país onde eles são mais necessários. Certamente esse tema será objeto de manifestação do STF, o que, porém, depende da atuação das entidades nacionais de Municípios ou das empresas do setor.

Afora isso, de se ver que a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em seus dispositivos mais importantes – especialmente no que se refere à logística reversa – não é autoaplicável, dependendo de regulamentação. Para essa regulamentação se preveem dois níveis: um decreto presidencial e uma série de normas, editadas no nível inferior ao decreto, disciplinando embalagens, logística reversa, tratamento diferenciado para pequenas e médias empresas etc.

O decreto presidencial, basicamente, deverá fixar os procedimentos e critérios a serem seguidos para a edição das demais normas, bem como definir quem são os órgãos do Governo Federal responsáveis por editá-las.

Infelizmente a Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos não criou órgão específico para cuidar dos resíduos sólidos, que continuará sendo tarefa de diversos órgãos e entidades da estrutura governamental da União (Conselho Nacional de Meio Ambiente - Conama, secretarias do Ministério do Meio Ambiente, Agencia Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa et al.). O decreto poderá resolver esse problema, indicando quem é o responsável para cada matéria, a fim de evitar conflitos entre regulamentos e proporcionar maior segurança jurídica – por exemplo, poderá designar que apenas um órgão poderá editar normas sobre logística reversa.

Quanto às normas inferiores ao decreto, as certezas que existem são somente em relação à logística reversa. Está na lei que a logística reversa, preferentemente, deverá ser disciplinada mediante acordos setoriais. O próprio setor regulado poderá apresentar proposta (acordo setorial) que, sendo considerada adequada pela autoridade ambiental, será homologada, tornando-se regulamento.

Apesar dessas expectativas positivas, nesse processo é que mora o perigo. Por dois motivos: 1) como se disse, os dispositivos mais importantes da Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos somente terão eficácia se regulamentados, e 2) a performance do Governo Federal em regulamentar leis desse setor não tem sido boa.

Tome-se, por exemplo, a Lei Nacional de Saneamento Básico (LNSB), editada em janeiro de 2007, que só foi regulamentada em junho de 2010, mais de três anos depois. O texto de regulamento, exaustivamente negociado com as entidades do setor, e publicado no site do Ministério das Cidades por quase dois anos – servindo já de referência -, foi modificado às pressas, suprimindo aspectos importantes ou inserindo dispositivos tecnicamente imperfeitos.

Espera-se que o mesmo não ocorra com os resíduos sólidos. O setor precisa que a regulamentação seja editada de forma rápida e tecnicamente correta, sem sobressaltos ou mudanças no que o Governo Federal, por meio do Ministério do Meio Ambiente, vem sinalizando durante todo o processo de elaboração da lei. Somente assim fará jus à confiança da sociedade e do mercado que, com a criação e reestruturação de empresas de engenharia ambiental, como a anunciada nessa semana, está confiante de que o país está na rota de um ciclo duradouro e socioambientalmente sustentável de desenvolvimento.

* Wladimir Antonio Ribeiro, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra, é advogado do Escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques – Sociedade de Advogados.

Fonte e demais informações: http://www.segs.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=18601:residuos-solidos-a-regulamentacao-da-nova-lei-e-as-expectativas-do-mercado&catid=50:cat-demais&Itemid=331

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