Cerâmica mais densa

Dois pesquisadores brasileiros e um francês desenvolveram uma forma eficiente e barata de produzir sensores de alta qualidade com a aplicação de descargas elétricas no material cerâmico usado nesses produtos. A nova técnica permite o adensamento dos grãos cerâmicos das peças fabricadas na forma de pastilhas utilizadas em sensores para medir gases nos escapamentos de automóveis e na produção do aço nas siderúrgicas. Também entram na fabricação de sensores de temperatura, como os embutidos nos telefones celulares para detectar o aquecimento anormal do aparelho, e em alguns tipos de célula a combustível, equipamento que produz energia elétrica a partir de hidrogênio. A indústria confecciona essas peças hoje usando um equipamento importado que custa por volta de US$ 250 mil e submete um pó composto por uma mistura de óxidos – em geral, de zircônio e de ítrio – a pressões mil vezes maiores que a atmosférica e temperaturas de quase 1.500 graus Celsius por algumas horas. O resultado são pastilhas rígidas, bastante resistentes ao desgaste e à corrosão e capazes de suportar temperaturas elevadas. Em parceria com o pesquisador francês Michel Kleitz, os físicos Eliana e Reginaldo Muccillo conseguiram, ainda de modo experimental, criar outra forma de obter o mesmo tipo de produto. Mas consumindo muito menos dinheiro e energia.

No final de 2010, durante uma temporada de dois meses no laboratório chefiado pelo casal Muccillo no Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), Kleitz viu a oportunidade de testar uma ideia que começara a se formar dois anos antes. Em vez de contar com alta pressão e temperaturas elevadas para produzir peças cerâmicas de grãos finos e maior densidade – e, consequentemente, de melhor qualidade, já que as propriedades da cerâmica são determinadas pelo grau de compactação dos grãos –, o eletroquímico francês, pesquisador aposentado do Instituto Nacional Polítécnico de Grenoble (INPG), imaginou ser possível forçar a aproximação dos grãos de outra maneira. Ele lembrou de técnicas de soldagem e de estudos teóricos de outros grupos sugerindo que descargas elétricas poderiam contribuir para adensar os grãos cerâmicos com dimensões da ordem de nanômetros (milionésimos de milímetro). 

Montagem decisiva - Mas no laboratório do Ipen faltava um equipamento: uma fonte de energia para controlar a passagem de corrente elétrica pela amostra de cerâmica. Esse tipo de aparelho até é produzido comercialmente. Mas o importado custa US$ 18 mil e demoraria a chegar e o produzido no Brasil não ficaria pronto em menos de 90 dias. Reginaldo decidiu, então, pedir ajuda a outro físico, Yamato Miyao, professor aposentado do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP). Miyao desenhou os circuitos da fonte e uma semana depois apareceu no laboratório do Ipen com o equipamento pronto. Parecido com um gabinete de computador, o aparelho permitiu realizar os testes iniciais, mas era preciso aperfeiçoá-lo. Duas semanas mais tarde, depois de gastar quase R$ 1 mil em peças na rua Santa Ifigênia, paraíso dos componentes eletrônicos no centro de São Paulo, Miyao retornou com o aparelho de que precisavam.

Reginaldo, Kleitz e Eliana submeteram 99 amostras de pastilhas cerâmicas fabricadas por eles no laboratório do Centro de Ciência e Tecnologia de Materiais do Ipen a uma série de testes em que ora mantinham a temperatura constante e variavam a intensidade da corrente elétrica, ora modificavam a temperatura conservando a corrente elétrica inalterada. Eles verificaram que ao expor o material por uns poucos segundos a uma corrente elevada e temperatura entre 970 e 1.150 graus Celsius foi possível produzir peças cerâmicas com grãos tão unidos quanto os obtidos pelo processo industrial tradicional, a sinterização rápida por plasma (spark plasma sintering).

Houve, porém, uma diferença importante. Com a nova estratégia, que denominaram soldagem rápida de grãos (flash grain welding), a compactação ou sinterização dos grãos ocorreu à pressão ambiente. A passagem de uma corrente elétrica alternada pela amostra provoca o aumento da temperatura no espaço entre os grãos e inicia uma agitação microscópica, fazendo os grãos se aproximarem. Essa técnica não necessita de equipamentos caros, afirmam os pesquisadores no artigo em que descrevem os resultados, aceito para publicação no Journal of the European Ceramic Society em apenas 22 dias. “Mostramos que no século XXI ainda é possível fazer ciência com bricolagem”, comenta Kleitz.

Os pesquisadores não sabem em quanto tempo o novo processo tornaria mais barato fabricar pastilhas de cerâmica de alta qualidade. A técnica precisa ser aperfeiçoada. Ao trocar os componentes da cerâmica, porém, as coisas não andaram tão bem. Em alguns casos, a temperatura no espaço entre os grãos se tornou tão elevada – atingiu mais de 2.000 graus – que os grãos se fundiram completamente, transformando a pastilha em vidro. “Há o dia da caça e o do caçador”, lamentou Kleitz.“Estamos tentando entender o que aconteceu. Atualmente fazemos um experimento por dia para tentar dominar a técnica com diferentes materiais”, conta Eliana. Eles estudam também a possibilidade de usar a técnica para produzir, em escala piloto, cerca de 200 pastilhas com as mesmas propriedades, o que demonstraria a viabilidade industrial.
Artigo científico

MUCCILLO, R. et al. Flash grain welding in yttria stabilized zirconia. Journal of the European Ceramic Society. v. 31, p. 1.517-21. jul. 2011.

Os projetos1 - Estudo de fenômenos intergranulares em materiais cerâmicos – nº 2005/53241-9
2 - Michel Kleitz, Conseil National de la Recherche Scientifique – França – nº 2010/51293-0
Modalidade1 - Projeto Temático
2 - Auxílio a Pesquisador Visitante
Co­or­de­na­dores1 - Reginaldo Muccillo – Ipen
2 - Eliana dos Santos Muccillo – Ipen
Investimento1 - R$ 802.674,39 (FAPESP)
2 - R$ 19.714,58 (FAPESP)
 

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