Projetos transformam veículos convencionais em elétricos

23/2/2011
Lívia Cerezoli

Foto: Uerj/Divulgação
Mesmo que de forma ainda tímida, o carro elétrico dá seus primeiros sinais de participação no mercado brasileiro. Já circulam pelo país algumas unidades importadas da Índia e outros modelos fabricados por aqui, como é o caso do projeto experimental da Fiat em parceria com a hidrelétrica de Itaipu.

Porém, os altos custos de importação e de produção impedem que os veículos sejam comercializados em grande escala no Brasil. Diante desse  cenário, surge uma alternativa: a conversão de carros movidos a motor de combustão em elétricos. 
 
Iniciativas particulares e projetos universitários já trabalham nessa proposta. Os veículos ainda estão sendo  testados em fase experimental, mas já apresentam bons resultados. O primeiro projeto brasileiro para a criação de um carro de passeio elétrico  aconteceu em 1973, com a apresentação do Gurgel Itaipu, equipado com 320 kg de baterias e autonomia de 80 km. O veículo não chegou a ser comercializado.

Agora, quase 40 anos depois, estudantes de engenharia elétrica e automotiva da UnB (Universidade de  Brasília) transformaram um Gurgel BR-800 movido a gasolina em tração elétrica. Batizado de BR-12v, o veículo  está sendo montado no Núcleo de Extensão do Gama, no Distrito Federal.

Segundo o professor responsável pelo projeto, Rudi  Henri van Els, a carcaça do Gurgel BR-800 foi escolhida devido ao formato compacto e à leveza da lataria. “A solução para os próximos anos vai ser usar carros menores nos centros urbanos. Não devemos  aumentar as ruas e estradas, e sim diminuir os carros. A proposta do veículo elétrico é exatamente esta: mais eficiência em menos espaço”, explica.

O projeto utiliza 14 baterias convencionais de chumbo de 18 kg cada uma. O BR-12v terá autonomia de 50 km e atingirá velocidade máxima de 85 km/h. O veículo será capaz de transportar duas pessoas. Sem contar o valor disponibilizado para a compra do  carro, o projeto de conversão tem custo estimado em R$ 15 mil. O montante foi disponibilizado pela universidade.

No final do ano passado, a Uerj (Universidade do Estado  do Rio de Janeiro), em parceria com o Cefet-RJ (CentroFederal de Educação Tecnológica), apresentou uma Kombi elétrica. O veículo tem autonomia de 60 km proporcionada por 20 baterias de 12 volts cada. “Não tivemos a preocupação com a performance do carro, por ser um projeto educativo. Temos a consciência de que é um veículo artesanal, que pode ser aprimorado, mas, mesmo assim, ele tem autonomia para as distâncias médias percorridas nos centros urbanos”, explica Luiz Artur Pecorelli Peres, professor e  coordenador do grupo de estudos de veículos elétricos da universidade.

Segundo o INT (Instituto Nacional de Tecnologia), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia, existem estatísticas mundiais que afirmam que entre 70% e 80% dos carros convencionais rodam, no máximo, de 60 km a 70 km por dia.

O veículo de 1982 foi totalmente reconstruído e, para o professor, muito mais do que uma alternativa ao motor a combustão, o projeto da Kombi elétrica presta um  serviço à sociedade por reciclar um veículo antigo que provavelmente viraria sucata.

A terceira linha de trabalho é uma iniciativa particular que está sendo desenvolvida em Uberaba (MG). O engenheiro e analista de sistema Maurício dos Santos Anjo trabalha na conversão de um Palio 1.0 em elétrico. O projeto deve ser finalizado em março. O carro, batizado de Electro, vai receber três baterias de íons de lítio que permitirão uma autonomia de até 140 km. Há pelo menos um ano,  Maurício já roda pelas ruas da  cidade mineira com um veículo elétrico capaz de percorrer 20 km com carga única de bateria. “Percebi o quanto é vantajoso ter um veículo elétrico e, por isso, decidi investir em um projeto um pouco mais ousado.”

Segundo ele, pelo menos 170 pedidos de conversão já chegaram à sua empresa. O custo do serviço chega a R$ 29 mil e pode ser feito em até três semanas. “O  investimento é recuperado em até quatro anos de uso do veículo”, afirma. O engenheiro também trabalha na construção de uma casa com tijolo ecológico que chega a ser de duas a cinco vezes mais resistente e até 40% mais barata que a construída com tijolo comum.

No Brasil ainda não há legislação adequada para o carro elétrico, mas o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito) regulamenta a conversão de veículos. De acordo com a portaria nº 190, de 2009, além de autorização do departamento, os veículos convertidos precisam de um laudo de qualidade oferecido por instituição técnica licenciada acreditada pelo Inmetro  (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial).

Para o diretor-presidente da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), Pietro Erber, os projetos de conversão de veículos são importantes porque difundem a ideia do motor movido a energia elétrica no Brasil. Mas ele acredita que a importação é o caminho mais rápido para que o carro elétrico tome as ruas do país. Porém, enquanto isso não acontece, para Erber é importante formar mão de obra especializada. “Quando os carros começarem a ser comercializados por aqui, precisaremos de pessoal capacitado para prestar assistência, por isso é tão importante essa atuação das universidades”, diz ele.

Segundo o INT, as pesquisas com a propulsão elétrica  de veículos já existem desde o final do século 19, quando se desenvolviam também os sistemas de motores de combustão interna e a vapor. Como os combustíveis líquidos do petróleo tinham um preço muito acessível e a infraestrutura de distribuição da energia elétrica ainda era
precária, o seu uso em automóveis e demais veículos rodoviários não foi desenvolvido em escala industrial, ficando restrito a transportes como bondes, trens e metrôs.


Somente com as crises do  petróleo na década de 1970 e com a conscientização ambiental ocorrida a partir dos anos 1980, a solução elétrica voltou a ser considerada para os veículos leves.

 
Atualmente, os principais mercados de veículos elétricos ainda encontram-se nos países desenvolvidos, que precisam  atingir a meta de redução de poluentes e buscam autonomia energética. Nos Estados Unidos, por exemplo, a previsão é colocar 1 milhão de carros híbridos (movidos a eletricidade e combustível líquido), fabricados no país, nas ruas até 2015. Aqui no Brasil, de acordo com previsões otimistas da ABVE, é possível que a participação de veículos elétricos, incluindo os híbridos e os movidos 100% a bateria, chegue a 16% até 2020.

O professor da UnB Rudi Henri van Els acredita que para atingir esse índice é preciso uma mudança cultural. “Precisamos quebrar a lógica do carro a combustão. É muito mais barato pulverizar os postos de abastecimento a energia elétrica. Eles podem existir em diversos locais, como shoppings, escolas e estacionamentos.”

De acordo com Els, outro ponto importante também são as baterias. As que estão  sendo utilizadas na conversão os veículos levam até oito horas para completar a carga, mas com o avanço da tecnologia,  é possível garantir o abastecimento desses veículos em minutos, como já acontece com os combustíveis líquidos. “Outra opção é a troca de baterias. Você deixa a sua vazia e leva a cheia. É um processo rápido também”, diz o professor.
 

OS VEÍCULOS CONVERTIDOS
 
Veja quantidade de baterias e autonomia dos modelos
:

BR-12V

Baterias 14 baterias de chumbo
Autonomia 50 km

 
KOMBI ELÉTRICA
Baterias 20 baterias de 12 volts
Autonomia 60 km

 
ELECTRO
Baterias 3 baterias de íons de lítio
Autonomia 140 km


Fontes: UnB, Uerj, Cecotein
 
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Revista CNT Transporte Atual

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