Priorizar o coletivo.

O processo de urbanização das cidades brasileiras, que atingiu seu auge nos anos de 1970 e desde então continua crescendo, abre espaço para a discussão sobre o futuro dessas localidades. Como elas devem se organizar diante da nova realidade?

Números do Censo 2010, divulgado em novembro do ano passado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostram que a população urbana no Brasil passou de 81,25%, em 2000, para 84,35%, atualmente. Se por um lado esse crescimento é positivo porque permite um acesso maior das pessoas aos diversos serviços oferecidos, por outro, ele revela a deficiência em alguns setores e até mesmo no modelo de gestão das cidades.

Mais pessoas nos centros urbanos significam um aumento de demanda nas áreas de transporte, moradia, saneamento e educação. E numa época de discussões ambientais, as soluções para oferecer serviços nessas áreas precisam ser pautadas pela sustentabilidade.

Esse novo modelo de crescimento das cidades foi o assunto principal da 11ª edição da Conferência das Cidades, realizada em dezembro na Câmara dos Deputados, em Brasília. Organizado pela CDU (Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados), o evento teve como objetivo principal conhecer os problemas enfrentados pelas cidades e propor soluções para oferecer uma convivência mais harmoniosa. A primeira Conferência das Cidades foi realizada em 1999 e é reconhecida como a responsável pela aprovação da lei nº 10.257/2001, o Estatuto da Cidade. O tema central da conferência foi o “O futuro das cidades no novo contexto socioambiental”.

Um estudo do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, mostra que, se fosse possível parar o processo de urbanização agora, mesmo assim os impactos ambientais iriam continuar causando problemas até o final deste século. “Temos estatísticas de que a expansão urbana vai continuar até 2030. À medida que a agricultura se moderniza, as pessoas trocam o campo pela cidade, e até mesmo pelas de porte médio”, afirma Carlos Nobre, chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do instituto.

As soluções, segundo ele, já estão elencadas nos Planos Diretores das cidades, como reduzir a impermeabilização do solo e os processos de poluição e aumentar as áreas verdes. “Mas tudo isso é de difícil implantação.”

Presente ao evento, o jornalista André Trigueiro, apresentador dos programas “Cidades e Soluções” e “Jornal das Dez” da GloboNews, pós-graduado em gestão ambiental pela Coppe/UFRJ (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro), questionou a forma de gerenciar os problemas nas cidades. De acordo com ele, não é possível idealizar soluções que se apliquem por igual a todos os centros urbanos. “Cada cidade tem sua história, é singular, e precisa ser pensada de forma individual.”

Trigueiro afirma que o início de toda a solução deve ser baseado em planejamentos, e uma das maiores urgências é repensar a mobilidade urbana. Segundo o jornalista, existe uma relação direta entre a ausência de transporte público de massa eficiente e o processo de favelização das cidades.

A conclusão vai ao encontro do resultado de um trabalho da ONU-Habitat que revela que o modelo de urbanização da maioria das cidades, atualmente, não é adequado porque segrega as populações. O relatório mostra que as pessoas precisam se deslocar por longas distâncias de casa até o trabalho, geralmente em carros próprios, o que além de causar sérios problemas no trânsito, contribui para uma maior emissão de gases poluentes e causa problemas de moradias inadequadas.

Como não é possível modificar as cidades já existentes, a solução é investir em políticas de mobilidade urbana que revertam o processo de estrangulamento causado pela prioridade que é dada ao carro próprio. “Não existe outra saída para as nossas cidades a não ser trocar o individual pelo coletivo. Precisamos parar de fazer cidades para automóveis. Quem sofre com as agruras da imobilidade são as pessoas”, afirma Ana Lúcia Rodrigues, pós-doutora em urbanismo pela FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), professora da Universidade Estadual de Maringá (PR) e integrante do Observatório das Metrópoles.

A organização da sociedade para exigir políticas públicas que ofereçam um sistema de transporte integrado e vedem a utilização do carro próprio nos grandes centros urbanos é o primeiro passo para um processo de urbanização mais eficiente, segundo Ana Lúcia. A professora também defende que as melhorias na mobilidade urbana devem trazer benefícios para a população como um todo e não apenas para parte dela.

Parceria entre o Observatório das Metrópoles e a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), do Ministério da Ciência e Tecnologia, assinada em dezembro do ano passado, vai permitir o acompanhamento das obras de mobilidade previstas nas 12 cidades-sede da Copa do Mundo de 2014. “É muito dinheiro envolvido nisso e queremos ter a certeza que, mesmo que haja remoção de pessoas, elas sejam beneficiadas com essas modificações. O grande desafio é transformar as metrópoles em lugares onde as forças sociais e políticas se congreguem em torno de objetivos comuns”, explica Ana Lúcia.

Por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o Ministério das Cidades já liberou R$ 7,7 bilhões para as obras de mobilidade nas cidades-sede da Copa. Outros R$ 18 bilhões integram o chamado PAC 2 que prevê investimentos entre 2011 e 2014.

A maior parte dos recursos será aplicada na implantação de sistemas BRTs (Ônibus de Trânsito Rápido, da sigla em inglês). Pelo menos 20 dos 47 projetos apresentados estão relacionados a esse tipo de meio de transporte baseado no modelo de Curitiba (PR), implantado há 40 anos. O restante será dividido em sistemas de transporte sobre trilhos, como os monotrilhos (trens elevados), que serão implantados em São Paulo e Manaus, e de VLTs (Veículo Leve sobre Trilho), em Brasília e Fortaleza.

Inovações são importantes para as cidades

Não existem regras para se alcançar a sustentabilidade nas cidades, sejam elas brasileiras, norte-americanas ou europeias. No entanto, priorizar determinadas ações que visam o bem-estar social da população pode ser um caminho.

Para Laura Valente de Macedo, diretora do Iclei (Conselho Internacional para Iniciativas Ambientais Locais, da sigla em inglês) para América Latina e Caribe, as principais ações para se chegar à sustentabilidade passam pela redução dos impactos sobre os recursos naturais utilizados, a proteção dos bens globais, a manutenção da qualidade de vida das pessoas, com garantias de justiça social, e equilíbrio econômico.

De acordo com ela, investir em inovação é o melhor caminho. “Precisamos buscar novas fontes de energia, como a solar, descentralizar o poder e a gestão das cidades e até mesmo trabalhar para facilitar a comunicação em rede. Precisamos pensar em compartilhar serviços, bens e informação”, afirma.

No Brasil, algumas cidades já caminham para isso, como é o caso de Curitiba. A capital paranaense mudou o estilo de vida de sua população quando decidiu investir em transporte público de qualidade, há mais de 40 anos. “Mas ainda é preciso fazer mais”, diz Laura.

Segundo a diretora, os melhores exemplos de cidades sustentáveis podem ser observados nos municípios escandinavos, como em Estocolmo (leia mais na edição nº 182 da CNT Transporte Atual), na Suécia, ou Copenhague, na Dinamarca. “Essas são cidades que reduziram a pegada ecológica que qualquer atividade causa com coleta seletiva de lixo, utilização de novas fontes de energia e, principalmente, pela valorização dos pedestres.”

Laura defende a implantação de medidas que reduzam o número de veículos nas ruas, como o aluguel de carros e até mesmo o pedágio urbano, já existentes na Europa, e outras ações que possibilitem o trânsito de pedestres pela rua. Porém, ela alerta que, antes disso, é preciso melhorar a qualidade das vias urbanas e oferecer segurança à população.
Data: 28/1/2011

Fonte e demais infomrações: http://www.cntdespoluir.org.br/Lists/Contedos/DispForm.aspx?ID=2797

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